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Bronislaw Malinowski – A vida sexual dos selvagens

Norma Telles

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Bronislaw Malinowski

Em 1922, Bronislaw Malinowski, um polonês radicado em Londres, iniciou, com os “Argonautas do Pacífico Ocidental”, a publicação de uma série de monografias que o projetaram no cenário internacional como um dos fundadores da Antropologia Social inglesa. Nelas focaliza e descreve o modo de vida dos habitantes melanésios das ilhas Trobiand na Nova Guiné. “A Vida Sexual dos Selvagens”, publicado em 1929, é uma dessas monografias e, sem dúvida, um clássico da Antropologia. O tema do livro é o homem e a mulher nas Ilhas Trobiand, suas relações no amor, no casamento e na vida tribal. A relação entre os sexos permeia toda a cultura (a erótica é apenas uma das instâncias desse encontro) e por isto o autor aborda também o contexto, isto é os estatutos legais, as relações domésticas, as funções econômicas, a mitologia e a magia. Malinowski não se atém ao tema isolado mas examina injunções e articulações que compõem a vida social. Neste caso não focaliza as instituições, que entretanto permanecem subjacentes, mas a vida dos indivíduos. Parte de um problema universal, as regulamentações do impulso sexual, e o aborda do ponto de vista particular dos nativos das Trombiand.

Diz o autor, na introdução, que visa reabilitar o termo sexual, muito abusado, e afirma que o sexo não é, para nenhuma sociedade humana, uma questão puramente fisiológica pois implica também emoções, atitudes, é o núcleo das instituições, inspira a arte e constitui a fonte de suas magias e sortilégios. A sexualidade é, antes de mais nada, uma força sociológica e cultural. Malinowski, com sua postura relativista, abriu o caminho, seguido por vários autores, para a asserção de que a cada configuração cultural corresponde um determinado tipo de psiquismo.

O fio condutor da análise são as diferentes fases que os homens e mulheres atravessam desde a infância até a maturidade. Expõe as atitudes e atividades dos vários grupos etários. As crianças, desde cedo e até a adolescência, formam comunidades próprias, grupos espontâneos onde gozam de liberdade e independência, inclusive na esfera seual, sem a interferência das pessoas mais velhas.

A adolescência assinala a passagem de uma sexualidade infantil e brinca-lhona para relações mais estáveis, para casos mais longos e permanen-tes. Vivem então nas “casas de solteiros” uma vida feliz, livre, dedicada ao divertimento e à busca de prazer.

Mais tarde se casam para adquirir plenamente o status de trombiandês mas também por razões econômicas. O casamento impõe h família das mulheres uma obrigação tributária, uma contribuição anual enquanto durar a união. Um lar trombiandês típico se baseia nos princípios de igualdade e independência de funções; todos os habitantes de uma casa estão ligados por interesses econômicos comuns. Brigas, infidelidade ou o simples fato de não estar mais satisfeito com um parceiro são os motivos de separação, que, na maior parte das vezes, é provocada pela mulher. Na escolha do cônjuge são levados em consideração, além das regras de exogamia, interesses econômicos e alianças familiares Mais tarde se casam para adquirir plenamente o status de trombiandês mas também por razões econômicas. O casamento impõe a família das mulheres uma obrigação tributária, uma contribuição anual enquanto durar a união. Um lar trombiandês típico se baseia nos princípios de igualdade e independência de funções; todos os habitantes de uma casa estão ligados por interesses econômicos comuns. Brigas, infidelidade ou o simples fato de não estar mais satisfeito com um parceiro são os motivos de separação, que, na maior parte das vezes, é provocada pela mulher. Na escolha do cônjuge são levados em consideração, além das regras de exogamia, interesses econômicos e alianças familiares. Para os chefes o casamento é polígamo. Mas não se pense, em momento algum, que esta liberalidade é absoluta. É a tradição que indica onde e como fazer amor, as carícias, os comportamentos, as ocasiões de rompimento. Há limites, regras de decência e decoro, e tabus.

O pano de fundo da análise é o direito materno que permite compreender as idéias nativas sobre a concepção, organização doméstica, distribuição da herança e sucessão. Um homem herda do irmão de sua mãe e exerce controle geral sob: e os filhos lie sua irmã.

As mulheres tem participação considerável em vários setores da vida social o que influencia profundamente todos os costumes da vida erótica. Mas, é bom que se diga, as mulheres não possuem o poder político, pois este é exercido por seus irmãos.

Não se reconhece socialmente a paternidade; pais e filhos não estão envolvidos nas relações cruciais de autoridade e transmissão de propriedade — relação esta que se estabelece entre o tio materno e o sobrinho — mas, mesmo assim desenvolvem laços de afeição e solicitude mútuas.

Esta visão sociológica da concepção e da paternidade, levou Malinowski a contestar a universalidade do complexo de Édipo. Em torno deste tema se travou uma grande polêmica que fez correr muita tinta. Embora não esteja encerrada, a discussão perde na atualidade parte de sua força pois o encontro entre Lévi-Strauss e La can deslocou o problema para outra esfera. Ultrapassando a antinomia entre psíquico e social, entre causa e efeito, Lévi-Strauss mostrou que o importante é que haja, e há sempre, alguém a interditar o acesso a outrem. Ainda no campo dos debates psicanalíticos, “A Vida Sexual doo Selvagens” é famoso através de outro autor. Willian Reich baseou-se em parte, nesta obra para escrever “A Irrupção da Moral Sexual Repressiva” (1931), início de suas formulações de uma teoria da sexualidade.

A Mulher Desiludida, de 1968, reúne três histórias onde se entrelaçam temas comuns, como a vida de casais, o ser mulher, as relações entre as pessoas. As personagens são intelectuais, artistas, mas um elo as une através das três histórias. Todas se veem envolvidas em experiências que abalam profundamente suas certezas, a visão que tem do que realizaram na vida e as relações que consideravam estáveis, seguras, estabelecidas.

O inventário procedente é restrito, mas traz à tona certos pontos de interesse.

Apresenta uma das maneiras pela qual são definidas as relações entre sexos e mais do que as práticas sociais, a condição existencial masculina e feminina, desejos e atitudes, comportamentos ideais e reais, dentro de um quadro de referência diferente do nosso. Hoje, quando todas as sociedades estão em profunda modificação, questionando e rearticulando as relações fundamentais, a confrontação crítica de modelos estabelecidos dos impõe a busca de informações em trabalhos antropológicos para se captar e minimizar as formas culturais que levaram a ocultar a parte feminina e os conflitos da sociedade. O que se pode inquirir do livro é menos o estatuto específico de homens e mulheres do que suas relações, a maneira pela qual se definem simbólica e praticamente e a natureza dos dinamismos culturais elementares, dos quais são o ponto de origem.

Muitas críticas, justas, foram feitas ao trabalho metodológico e aos postulados de Malinowski, mas permanece o reconhecimento unânime da excelência de seu trabalho etnográfico. Uma narração envolvente, descrições cuidadosas, uma linguagem fácil e sedutora nos colocam frente a frente com o trombiandês concreto, vivo, e anulam a enorme distância geográfica. Dentro da pecu-liaridade do costume, a qualidade da obra apresenta o trombiandês como homem que partilha conosco a mesma natureza fundamental.

A tradução foi muito bem cuidada e o livro é ainda enriquecido por uma serie de ilustrações e uma apresentação, concisa e precisa de Roberto Da Matta.

IstoÉ 06/08/1986

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