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Foucalt – Sexo no túnel da história

Norma Telles

O Cuidado de Si é o terceiro volume da inovadora História da Sexualidade do filósofo francês Michel Foucault – um dos pensadores mais importantes e sugestivos deste final de século, desaparecido em junho de 1984, em Paris, autor de uma obra polêmica sobre a loucura, a doença, o sexo e a morte. Para compreender como a sexualidade se constitui historicamente, Foucault, neste livro, faz uma viagem à Antiguidade clássica, investigando as reflexões morais sobre o sexo. No Uso dos Prazeres, o segundo volume, vemos a Grécia clássica do século VI a.C. Ouvimos as indagações dos filósofos e médicos sobre o bom uso dos prazeres relacionados ao domínio de si e dos outros, a aquisição de liberdade e verdade a partir de uma ética que se constitui como uma estética da existência.

Em O Cuidado de Si, o cenário modificou-se – estamos no mundo greco-romano, no Império, durante os dois primeiros séculos de soma era. Os temas dos aphrodisia — o uso dos prazeres – estão presentes como na Grécia clássica, mas sofrem Profundas modificações. “O campo do que poderia ser proibido não se ampliou em nada e não se procurou organizar sistemas de proibições mais autoritários ou eficazes”, descreve Foucault, cujas reflexões sobre a sexualidade se desenvolviam ao mesmo tempo que ele lecionava no respeitado Collège de France, desde 1970. “A mudança refere-se muito mais à maneira pela qual o indivíduo deve constituir-se como sujeito moral.”

Sujeito moral – eis a questão que Foucault vai explicitar. O ato sexual ainda não é visto como mal, como será no Cristianismo, mas há uma crescente desconfiança em relação à sua violência, sua força, seu excesso. Ha, entretanto, um deslocamento em relação ao sujeito e as discussões se dão agora em torno de sua fragilidade, de sua fraqueza, e de como protegê-lo. O trabalho sobre si, a cultura de si, também se modifica, pois são pensadas provas, abstinências, controle. Austeridade é a palavra-chave do período. A questão da verdade começa a se desenvolver em práticas de ascese.

Grande parte das amigam de O Cuidado de Si é feita sobre textos de interpretação de sonhos, de filósofos e de médicos. Estes últimos são importantes, pois mostram como as racionalizações sobre a “natureza humana” recomendam prática e abstinência e mil cuidados, apresentando o ato como gerador de distúrbios cujas consequências podem ser imprevisíveis. É a “ciência” introduzindo o mal sobre o corpo. Foucault destaca ainda as modificações na prática do matrimônio, particularmente sua valorização. Aqui temos já a legitimação do casamento como o melhor quadro para os prazeres sexuais. Surge uma nova erótica que não se baseia, como a da época clássica, na pederastia. Esta, entretanto, não é desvalorizada ou considerada contra a natureza.

Prazeres e moral. Para Foucault, a Antiguidade não é modelo. Mas é um incitamento à reflexão hoje, quando o mundo coloca novamente a necessidade para cada homem e para cada mulher de se redefinir como sujeito. Ao nível do corpo, do desejo, dos prazeres e de suas difíceis relações.

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