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Guattari – Problemas de um mundo em crise

Norma Telles

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Guattari

Os trópicos sempre foram uma fonte fecunda de inspiração para o pensamento europeu. No século XVI, Jean de Léry visitou o Novo Mundo e descreveu-o num livro hoje famoso. Nos séculos seguintes muitos repetiram esta trajetória. Clássica ainda é a descrição de Lévi-Strauss, em 1950, dos “tristes trópicos”. Em 1982 foi a vez do também francês Feliz Guattari nos visitar. A viagem resultou neste livro que agora vem a público, escrito pela psicanalista brasileira Suely Rolnik. A viagem, para ele, tem o sentido de decodificar e encontrar possibilidades de mudança. Na visão do europeu, permanece ainda um toque idealizado e utópico em relação aos trópicos, agora já não tão tristes. Guattari é um pensador original, polêmico e radical. É conhecido entre nós por seus artigos e pelo livro A Revolução Molecular. É co-autor, com Gales Deleuze, de O Anti-Édipo e Capitalismo e Esquizofrenia. A proposta dos dois é introduzir a produção no desejo e, inversamente, o desejo e na produção.

Em Micropolítica: Cartografias do Desejo, Guattari muda de parceiro na autoria, mas não de temas. Aborda problemas da atualidade, problemas de um mundo em crise. Crise esta que não é econômica e social mas também de sociabilidade, de modos de viver e de projetos de mudança social “A problemática micropoliítica não se situa ao nível da representação”, afirma, “mas ao nível da produção da subjetividade”. Micropolítica é um termo cunhado por Guattari para designar aquilo que se passa no plano das formações do desejo no campo social e, ao mesmo tempo, constitui uma arma de luta nesse plano. Por isso tenta perceber e descrever às resistências através de processos de diferenciação permanente.

Suely Rolnik escreveu o livro a partir da transcrição e remodelação do material da estada de Guattari. Organizou-o por temas: cultura, subjetividade e história, política, desejo e história, e emoção-energia-corpo-sexo: o mito da “viagem” da liberação. Cada tema é composto por aforismos, trechos de conversas, debates, entrevistas, cartas e mais conferências e ensaios. Estes componentes são entremeados por comentários de jornalistas e intelectuais brasileiros. O resultado são múltiplos fragmentos que se pretendem pequenos instrumentos e diferentes caminhos para as principais questões teóricas do pensamento de Guattari no Brasil de 1982. Talvez não seja esta a melhor via de acesso à teoria, mas é interessante para se perceber a inspiração, o surgimento da reflexão, de um estilo, de um procedimento experimental em campos variados.

IstoÉ 14/5/1986

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