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Simone de Beauvoir – A mulher desiludida

Norma Telles

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Simone Beauvoir

“Para mim, a vida vinha antes de tudo. Queria escrever justamente para reter alguma coisa da vida. Viver era fundamental”, disse Simone de Beauvoir, morta em abril último, aos 78 anos. E assim foi – a vida matéria da obra, dos romances e dos ensaios, como também de sua atuação política. Como filósofa, revelou-se teórica pioneira em O Segundo Sexo. Como escritora, é considerada clássica por vários livros, que vão desde Memórias de uma Moça Bem Comportada, passando por Os Mandarins, até A Velhice ou A Cerimônia do Adeus. Como pessoa, e por sua obra, permanece um símbolo da possibilidade de se viver com dignidade e autodeterminação.

A Mulher Desiludida, de 1968, reúne três histórias onde se entrelaçam temas comuns, como a vida de casais, o ser mulher, as relações entre as pessoas. As personagens são intelectuais, artistas, mas um elo as une através das três histórias. Todas se veem envolvidas em experiências que abalam profundamente suas certezas, a visão que tem do que realizaram na vida e as relações que consideravam estáveis, seguras, estabelecidas.

‘A Idade da Discriminação’ aborda a questão da velhice, este “irrealizável”, como a definiu Sartre. Aborda o momento da percepção da velhice e da descoberta do que ela significa. ‘Monólogo’ é um texto belíssimo, o delírio de uma mulher dilacerada que pode ser definido como a frase de Flaubert que a autora coloca em epígrafe: “Ela se vinga com o monólogo”. A terceira história é a que dá título ao livro. Com liberdade de espírito, curiosidade e muita argúcia, a autora se debruça sobre um casal que se separa entre emoções explosivas.

Há um porém em relação a este belo livro, e diz respeito ao título em português. A palavra “desiludida” carrega uma conotação de decepção e desengano que não faz parte do título original ou do clima do romance. Em francês, La Femme Rompue reflete a ideia de alquebrada, dilacerada em pedaços -uma conotação muito mais para a angústia existencial do que para o fim de uma ilusão. Trata-se, apesar da mínima ressalva, de um livro excelente, onde a ficção complementa observações da realidade marcada por toques autobiográficos. Um quadro pungente de paixões humanas, conflitos e desencontros. Da vida, enfim.

“Então, agora, eu pago alguém para me ouvir. É impagável! Ele insistiu para que eu retomasse este diário. Compreendo bem seu truque: tenta restituir meu interesse por mim mesma, restituir minha identidade. Mas, para mim, só conta Maurice. Eu, o que é isto? Nunca me incomodei comigo. Estava garantida, pois ele me amava. Se já não me ama…Só esta passagem me preocupa: por que mereci não ser mais amada?”

IstoÉ 06/08/1986

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